MÊS DA BÍBLIA

Neste mês em que dedicamos nosso olhar a Sagrada Escritura, convém a busca de se alimentar nesta fonte que é a Palavra de Deus. Para muitos, este livro de livros é a fonte da fé, e para outros fontes de fundamentalismos.

Ao ser tratado de Arqueologia e Bíblia, é precisso compreender a bíblia como um livro que primeiramente foi vivido, posteriormente celebrado, anunciado e por fim escrito. Foi um processo realizado na realidade da cultura vivida pelo povo daquele período.

Para compreender o conceito de arqueologia bíblica é preciso entender que o próprio conceito foi modificado ao longo do tempo.” No século 17 e 19 entendia-se sobre esse termo o conhecimento de coisas materiais e concretas” (DONNER, 1997, p. 29).  Porém, esses achados arqueológicos geralmente estavam ligados a uma fonte literária. Mas este conceito foi sendo modificado ao decorrer do tempo.

Após o século 19 o conceito de arqueologia foi analisado como uma ciência, e não mais como sinônimo apenas de conhecimentos da antiguidade.”hoje a arqueologia é a ciência dos restos materiais da da civilização de épocas passadas”. (DONNER, 1997, p. 29).

No campo da arqueologia de um modo geral existe a arqueologia bíblica, um braço de toda a ciência arqueológica. Arqueologia bíblica ou arqueologia do oriente próximo, surge em meados do século 19 no qual alguns historiadores se interessavam pelos conhecimentos dos fatos bíblicos buscando analisá-los por meio dos achados arqueológicos. E a busca por esses achados arqueológicos para evidenciar os acontecimentos bíblicos estão presentes ainda hoje nas terras onde aconteceram os contextos bíblicos. As primeiras escavações se iniciaram em Jerusalém e posteriormente em outras partes da Palestina. Para iniciar as escavações e as pesquisas, os arqueólogos inicialmente precisaram encontrar métodos para as escavações destes lugares.

Dentro do ambiente arqueológico há uma distinção entre os métodos novos e os métodos clássicos. Com relação a arqueologia clássica, ela somente será utilizada em casos que forem descobertos monumentos que são visíveis na superfície, com exemplo as cidades e monumentos antigos que são visíveis. Ao contrário, para o uso da arqueologia moderna são os demais casos, nos quais é necessário escavações. Existe além destes, o método chamado estratigrafia, isto é, um método próprio da pré-história, no qual se investigará se há naquele lugar um sítio arqueológico, considerando a possibilidade de encontrar vestígios e datando-os. “O objetivo de uma escavação arqueológica não consiste em trazer à tona achados espetaculares, conquanto possam acontecer, mas em elucidar a história da povoação e da cultura do sítio de escavação” (DONNER, 1997, p. 29). Para além de um puro senso de curiosidade, a arqueologia busca a certeza da existência histórica de povos.

2. ARQUEOLOGIA E A BÍBLIA

Há um certo confronto entre a arqueologia e os dados bíblicos. No sentido que, existem fatos que foram narrados nos contextos históricos da bíblia, que não correspondem aos dados do trabalho arqueológico.  Causa um estranhamento perceber que há uma desavenças entre a história bíblica e a história enterrada. 

Antes do século XIX, alguns estudiosos passaram a descartar a veracidade bíblica, pois, alguns fatos narrados nela não condiziam com os artefatos encontrados. Porém, após o século XIX a ciência arqueológica mudou de opinião, destacando que há sim a possibilidade de encontrarmos elo entre a bíblia e a arqueologia.

A partir do final do século XIX, quando teve início a exploração moderna das terras bíblicas, uma série de descobertas espetaculares e décadas de escavação e interpretação arqueológicas constantes deram a entender para muitos que os relatos da Bíblia são basicamente dignos de confiança no que se refere às linhas principais da narrativa do antigo Israel (FINKELSTEIN; ISRAEL, 2018, p. 22 ).

Tais descobertas que estão sendo feitas ao decorrer do tempo estão evidenciando muitas coisas, e ao mesmo tempo pondo em dúvidas fatos escritos na própria Sagrada Escritura. Porém, os historiadores e arqueólogos levam em consideração que, se a bíblia não tinha por objetivo uma narração histórica ou jornalística, mas transmitir uma teologia de encontro entre Deus e a humanidade. 

Ao longo da história não havia tantos interesses em fazer uma investigação arqueológica sobre os acontecimentos do Antigo Israel. Porém, nos séculos XVIII e XIX há um despertar de alguns historiadores e biblistas na tentativa de buscar reconstruir a história, por meio de achados e escavações. O primeiro a ir em busca de indícios que refutassem os críticos bíblicos foi Edward Robinson, um congregacionalista (Igreja Batista independente) dos Estados Unidos. Robinson vai atrás dos lugares apresentados na bíblia, mas, “´[…], ele descobre que é possível identificar dúzias de montes e ruínas com sítios bíblicos já esquecidos.” (FINKELSTEIN; ISRAEL, 2018, p. 22 ).

Houve sérias dificuldades em encontrar os lugares, sobretudo pelo fato de estarem soterrados pelas constantes tempestades de areias, terremotos, invasões etc. A única coisa encontrada foram antigas cidades que se mantiveram ao longos dos séculos, mas, com poucos cenários do período bíblico. Havia o risco até de encontrar cidades e povoados com nomes que não correspondiam aos bíblicos, causando estranhamento. Ou seja, havia poucos lugares com os nomes e as arquiteturas  originais. 

Em 1840, com as escavações, foi possível desenterrar possíveis restos do império Assírio e Babilônico. Com estes achados, vieram à luz textos que fazem referência aos reis de Israel e de Judá, como Acab, Ezequias, Manassés etc. Ao mesmo tempo, haviam sido encontrados restos de outros reinos ao redor, e isso favoreceu uma unificação das datas de cada reinado em lugares diferentes, sabendo isto por meio das cartas e documentos encontrados. Por meio de tais descobertas foi possível encontrar restos de cidades mais antigas ainda.

Adicionalmente, os arquivos mesopotâmicos e egípcios muito mais antigos da Idade do Bronze Média e Tardia (cerca de 2000-1150 AEC) em antigos sítios como Mari e Tell el-Amarna e Nuzi, lançou uma luz clara sobre o mundo do Oriente Próximo antigo e, em consequência, sobre o meio cultural do qual a Bíblia acabou emergindo. (FINKELSTEIN; ISRAEL, 2018, p. 24 ).

Aos poucos foi possível perceber que a história do povo de Israel não era a única sendo construída, havia impérios já constituídos, povos com desenvolvimentos avançados para a época, e em meio a tudo isso havia o pequeno grupo dos filhos de Jacó. 

3. O MÉTODO

Além de utilizarem o método moderno e clássico para as pesquisas, era preciso antes de tudo, descobrir um local que fosse o mesmo do relato bíblico. Mas, isto era um trabalho árduo. Para iniciar uma escavação, era preciso primeiramente a certeza de que de fato naquele lugar há algo de importante, para que o trabalho não fosse em vão. E uma das evidências da existência de algo, era os achados em cerâmica na superfície. Estes pedaços contribuem para o início ou não das escavações. “Primeiramente deve-se levar em conta que as evidências a partir de cerâmica só podem ser avaliadas pelo lado positivo, e não pelo lado negativo.” (DONNER, 1997, p. 30). Isso se explica pelo fato de que, os achados podem ser de períodos muito antigos, mas nem sempre estiveram alí, ou seja, é praticamente impossível concluir se de fato aquele objeto sempre esteve alí, ou algum povo trouxe etc. Vale ressaltar que o desenvolvimento das cerâmicas se deu de formas diferentes em vários lugares, podendo confundir na datação de tais pedaços.

No século XX, com o avanço científico, a arqueologia pode melhorar os seus meios de investigação. Temos como pioneiros do século XX os estudiosos Albrecht Alt e William Albright. Porém, em 1970, ocorreu uma reviravolta.  

Pela primeira vez, arqueólogos que operavam nas terras bíblicas não procuraram usar os achados escavados como ilustrações da Bíblia; voltando-se drasticamente para os métodos das ciências sociais, eles procuraram examinar as realidades humanas que residiam por trás do texto. Ao escavar sítios antigos, a ênfase deixou de ser posta unicamente nas associações bíblicas do lugar. (FINKELSTEIN; ISRAEL, 2018, p. 27 ).

Os arqueólogos reformulam o objetivo principal de tais escavações; antes o intuito era o de dar evidência aos relatos bíblicos, ou seja, relacionar o texto e os achados; agora, o objetivo vai além disso, pois eles buscam descobrir contextos extra bíblicos. Buscando assim, o entendimento de como aquele povo vivia, como se fragmentou,o desenvolvimento social etc.

5 SEMELHANÇA E DESSEMELHANÇA ENTRE BÍBLIA E ARQUEOLOGIA BÍBLICA

Ao que parece, a bíblia e sua arqueologia parecem se abismar uma da outra. Porém, o que se pode perceber é que a bíblia se tornou apenas um dos elementos destes povos que viviam no antigo Israel, ao lado de cerâmicas, estilos de construções e escritos. 

Algumas considerações dadas pelos arqueológicos é que a bíblia é um fruto de uma centralização estatal, a qual a escrita sofisticada é um dos presentes dado por este período. Ou seja, havia já um desenvolvimento social no período de redação bíblica,  desenvolvimento este que se dá por meio de uma centralização do estado e da religião.

Arqueólogos e antropólogos operando em todo mundo estudaram cuidadosamente o contexto em que emergem gêneros sofisticados de escrita e, em quase todos os casos, eles são um sinal de formação estatal, na qual o poder é centralizado em instituições nacionais como um culto oficial ou uma monarquia. Outros traços desse estágio de desenvolvimento social são construção de monumentos, especialização econômica e a presença de uma densa rede de comunidades interligadas, cujo tamanho varia de grandes cidades a centros regionais e localidades médias e pequenos povoados. (FINKELSTEIN; ISRAEL, 2018, p. 27 ).

Por meio desta descoberta, os estudiosos consideram que alguns pequenos textos usados para a compilação final da bíblia judaica, tenha surgido já nas tribos antigas de Israel, e com a centralização da religião e do estado, foi preciso unificar a tradição, recolhendo os textos sagrados de cada tribo, e traçando um caminho entre eles.  

Com a vinda destes povos, e a superlotação de Jerusalém, facilitou a centralização política e religiosa. Para uma centralização maior no Palácio e no Templo, havendo uma possível destruição de todos os locais de culto fora de Jerusalém. Com isso ocorre a desvalorização dos camponeses e pastores, ocorrendo uma certa tensão entre o campo e a grande cidade.

A escrita neste período passa a ser usada para administração rotineira, cartas, comunicados, liturgias etc. É possível evidenciar isto por meio de alguns trechos encontrados de recibos, cartas administrativas, trechos litúrgicos etc.  A escrita também se tornou um meio de libertação das tradições das comunidades particulares, ou seja, não era essencial obedecer a tradição da comunidade, mas os textos sagrados. Ao mesmo tempo os textos podiam ser usados para oprimir. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

conclui-se que a arqueologia como conhecemos hoje, é uma ciência recente, e que com o pouco já feito contribuiu para considerações importantes sobre a bíblia. Vale ressaltar que a tradição católica não deu toda a centralidade à Sagrada Escritura apenas, mas em conjunto ao magistério e a tradição. Isto contribui para a não onipotentezação do livro, mesmo tendo sua importância centralizada. A bíblia não pode ser tratada como um livro histórico, ou jornalístico, pois, não é esse o objetivo da Sagrada Escritura.

Durante muito tempo houve uma certa indiferença aos lugares históricos, mas no século XVI foi despertado o interesse para a reconstrução filológica da historiografia bíblica. Mas somente em meados do século XIX que alguns pesquisadores bíblicos, decidem ir a terra santa para provar que todos os fatos que estavam na bíblia eram históricos, mas, ao chegarem perceberam que era preciso encontrar os locais exatos, pois já se haviam perdidos no tempo, devido as tantas destruições, terremotos e tempestades de areia.

Com o advento das novas tecnologias, foi possível desenvolver meios melhores de escavações e de trabalhos científicos. Mas muitos dos lugares que restaram dos episódios bíblicos foram habitados por novas civilizações, ou até mesmo, outras religiões, dificultando mais ainda as pesquisas científicas.

Pouco do que foi encontrado já evidenciam o aspecto não histórico da bíblia, como por exemplo, a pouca evidência de um grande muro em Jericó, como foi narrado em Josué 6,  e até mesmo a de que cerca de 600 mil judeus teriam vivido 40 anos vagando no deserto etc.

A arqueologia contribui para o amadurecimento da propria fé, evitando fudamentalismos bíblicos, pois, não é dever da bíblia relatar fatos historicos, mas inspirar a fé do povo judeu, e conseguentemente a do povo cristão.Não se pode usar a bíblia como se usa um jornal ou uma revista.

REFERÊNCIAS

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos: dos primórdios até a formação do estado. Vol. 1. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos: da época da divisão do reino até Alexandre Magno.Vol. 2. São Leopoldo: Sinodal, 2017.

SCHNIEDEWIND, William M. Como a Bíblia tornou-se um Livro: a textualização do antigo Israel. São Paulo: Loyola, 2011.

SOTELO, Daniel. História de Israel. 2 ed.São Paulo: Fonte Editorial, 2020.

Por: Frei Luiz Eduardo Araújo Pereira, FMM

Publicado em : 18/09/2021

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *