A figura do migrante, do refugiado, mudou muito com o passar do tempo. Hoje é um fenômeno global, antes era limitado a algumas áreas. Mas o Magistério da Igreja sempre esteve do lado dos que por fome ou por guerra, são obrigados a fugir de seu próprio país. É um fenômeno que está no coração da Igreja. Vejamos alguns trechos dos últimos Papas

Cidade do Vaticano

Todas as épocas da história humana testemunham dramáticas epopeias de migrações. Cada época tem os migrantes e os refugiados do seu tempo e que de algum modo descrevem o período. Durante a guerra chamavam-se “deslocados” e muitos se refugiavam em Roma, cidade aberta, na qual Pio XII os acolhia.

ÁUDIO 

Pio XII, 12 de março de 1944

Na desolação que vos privou da felicidade doméstica, vós, diletos filhos e filhas, que as presentes calamidades obrigaram a sair sem rumo, sem lar, talvez separados de suas próprias famílias, muitas vezes desconhecendo e sem saber qualquer notícia dos mesmos, aos quais o sangue e o amor vos ligam, inquietos pelo seu destino, como eles são trepidantes pelo vosso, porém vós, a cuja fé menciona um Pai celeste, que prometeu a todos que o amam dar todo o bem, mesmo as coisas mais gravosas e amar (cf. Rm 8, 28), vós viestes hoje, atraídos e estimulados pelo filial impulso, para receber do vigário de Cristo uma palavra de bênção e de conforto”.

O horizonte do Papa Pio XII, que em vão tentara acabar com o conflito, era dentro das muralhas da capital. A todos que buscavam reparo junto do Vaticano dava ajuda e sustento…

“…nesta hora particularmente grave para a martirizada cidade de Roma, dilacerada na carne viva de seus habitante horrivelmente mortos, mutilados ou feridos, e onde de modo mais agudo multiplicaram-se os sofrimentos e são mais impelentes as necessidades diárias, Nós rezamos novamente, suplicamos, rezamos aos que têm meios de ajudar, seja com ofertas materiais, ou com trabalho e a prestação de serviços, para que não neguem sua eficaz contribuição e ajuda a uma tão urgente e caridosa ação”.

Depois da guerra, no momento da necessidade de reconstruir, o refugiado, o migrante muda de face. Não é mais o deslocado da cidade bombardeada, mas é o pai de família cujo país perdeu a guerra, que busca sustento, muitas vezes do outro lado do Oceano, nas Américas, ou na direção dos países europeus vencedores, ou em regiões mais ricas da sua própria nação. O próprio Pio XII conhece o bem o fenômeno, a ponto de promulgar, em agosto de 1952, a Constituição Apostólica sobre os aspectos pastorais e religiosos da emigração. Papa João XXII fala sobre o documento dez anos mais tarde.

João XXIII, 5 de agosto de 1962

Diante do acentuado nomadismo dos povos, e as novas necessidades espirituais causadas por este motivo, o Nosso Predecessor Pio XII desejou dar uma estável e completa organização à assistência dos emigrantes, seja ao longo dos caminhos por terra ou por mar, seja nas localidades de destinação. Com muita sabedoria, esta obra, que se irradia de Roma foi submetida à amável direção dos Bispos. Numerosas instituições ramificaram-se no mundo: nela, o sacerdote encontra-se ao lado dos emigrantes, nos navios e nos aeroportos, assim como nas várias localidades de trabalho”.

Era o dia 5 de agosto de 1962. Dois anos antes o diretor de cinema Luchino Visconti tinha dirigido um drama da migração do sul para o norte da Itália com sua obra prima “Rocco e seus irmãos”.

“Mais uma palavra. Essa quer tocar o delicado problema das migrações internas, que está assumindo proporções cada vez maiores. A diversidade de recursos e de condições econômicas entre uma região e outra do mesmo país, entre cidades, causou um fluxo constante, que apresenta inegáveis vantagens e dificuldades”.

Paulo VI, 24 de novembro de 1963

Vantagens e dificuldades: para Paulo VI, atento a todos os fenômenos da modernidade, não passam despercebidas as múltiplas consequências, muitas vezes de sinais opostos, das migrações forçadas como já tinha sido relevado pelo Papa João XXIII. Radiomensagem para o Dia da Emigração.

Estes deslocamentos de populações, facilitados pelos rápidos e modernos meios de comunicação, influenciam todos os setores da nossa sociedade, e se um deles é positivo, o econômico, muitos outros são, ao menos ao princípio do fenômeno migratório, negativos, especialmente no que se refere ao espírito dos Emigrantes, fora de seu ambiente, e ainda não absorvidos orgânica e espiritualmente nos ambientes nos quais chegaram. Nós olhamos de modo particular aos sofrimentos dos Emigrantes durante seus deslocamentos: sofrem um trauma espiritual e moral, que perturba todo o tipo de juízo, enquanto nas suas almas insinuam-se aspirações de todo o gênero, entre as quais uma é boa e digna, a de buscar melhores condições de vida, mas se produz uma fácil confusão de ideias, na qual ficam abalados os princípios, onde se fundava a honestidade, a normalidade, a humanidade da sua psicologia. São muitos os Emigrantes que por este motivo perdem seus hábitos religiosos, sentem aversão e rancor contra a sociedade na qual ainda não possuem um lugar ordenado e satisfatório, e também muitas vezes ficam abalados os próprios laços familiares pela tristeza das condições nas quais se encontram e pelo aparecimento de desordenadas paixões!”.

João Paulo II, 26 de outubro de 1989

Nos opulentos anos 1980, o fenômeno migratório global ainda não tinha explodido. No final da década, depois da queda do Muro de Berlim, iniciam pouco a pouco a ultrapassar a antiga cortina de ferro, um punhado de corajosos em busca de melhores condições de vida no ocidente liberal. O que mais preocupa a Igreja é que nos países de destinação não se encontrem perdidos e desmotivados… Plenária do Pontifício Conselho da Pastoral para Migrantes e itinerantes, 26 de outubro de 1989. João Paulo II traz no coração os migrantes “de casa”…

Os migrantes católicos, que confluem de todas as partes em uma determinada Igreja particular, não podem ser abandonados a si mesmos. Eles devem fazer parte da Igreja “implantada” naquele território em que chegaram. Por isso devem ser assistidos com uma pastoral específica e adequada a eles. (…) Portanto, toda a Igreja particular deverá se comprometer em cultivar a pedagogia da acolhida e exercer a solidariedade com os migrantes. (…) Mas se a pastoral específica para os migrantes, quiser evitar o risco de se reduzir a pastoral para marginalizados, deve favorecer a formação de verdadeiras comunidades étnicas, nas quais a fé pode ser vivida, expressa e transmitida. De fato, é dentro destas comunidades que a fé encontra a sua defesa mais válida contra a invasão do proselitismo religioso. Tais comunidades étnicas pertencem a pleno título ao tecido eclesial e contribuem, junto às outras, a construção do Reino de Deus”.

Bento XVI, 9 de novembro de 2009

Somente com o terceiro milênio, com a difusão da globalização, que o migrante muda de face, e que o problema se impõe em toda a sua dramaticidade em nível mundial, envolvendo Estados e determinando as próprias políticas nacionais e internacionais. É testemunha disso Papa Bento XVI . Discurso aos participantes do VI Congresso Mundial para a Pastoral dos migrantes e dos Refugiados.

Embora o fenômeno migratório seja tão antigo quanto a história da humanidade, nunca assumiu um relevo tão grande pela consistência e complexidade das problemáticas, como nos dias de hoje. Agora, diz respeito a quase todos os países do mundo e insere-se no vasto processo da globalização. Mulheres, homens, crianças, jovens e idosos, são milhões os que enfrentam os dramas da emigração às vezes para sobreviver, mais do que para procurar melhores condições de vida para si e para os seus familiares. Com efeito, vai-se alargando cada vez mais a diferença econômica entre países pobres e países industrializados. A crise econômica mundial, com o enorme crescimento do desemprego, reduz a possibilidade de emprego e aumenta o número daqueles que não conseguem sequer encontrar um trabalho precário. Tantos vêem-se então obrigados a abandonar as próprias terras e as suas comunidades de origem; estão dispostos a aceitar trabalhos em condições que não são conformes com a dignidade humana, com uma inserção difícil nas sociedades de acolhimento por causa da diversidade da língua, da cultura e das orientações sociais”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-07/papas-magisterio-migrantes-refugiados.html