Papa promove retorno de cismáticos

Neste ano, o primeiro papa argentino da história leva adiante o seu quinto ano de pontificado. Enquanto o mundo se entusiasma com os novos ares que Francisco traz para a Igreja, os chamados “sedevacantistas” não poupam o papa de ofensas triviais, muitas das quais baseadas em fakenews. Ao longo do pontificado, as críticas foram das mais variadas: desde a casula que ele colocou em sua primeira missa às medidas pastorais que ele vem adotando ao longo dos anos. De 2013 para cá, insistem em reivindicar o impossível: um papa teólogo como Ratzinger e irredutível como aqueles do início do início do século XX. Se esquecem que, na atualidade, a escolha de um papa é uma resposta bem articulada ao que se vive no presente. Não há espaço para revival. Não mais. Se devem culpar alguém, que culpem João XXIII, o primeiro papa da história a escrever uma encíclica endereçada aos “homens de boa vontade” – todos eles. Um caminho sem volta.

Se não fosse Leão XIII, certamente um Pio IX, com a publicação de seu Sillabo no auge da crise modernista, não abriria as portas do arquivo secreto do Vaticano aos estudiosos. Da mesma forma, se não fosse Francisco, certamente a Fraternidade Sacerdotal Pio X – os lefebvrianos -, não teria dado sinais positivos de aproximação. É só pensarmos na enorme crise enfrentada por Bento XVI por causa dos seguidores dessa sociedade de vida apostólica, ainda considerada cismática por causa da resistência ao Concílio Vaticano II. Não por acaso, o novo chefe da associação, eleito recentemente, é italiano: Davide Pagliarani. A escolha é um sinal de que intuíram o quanto “alguém de casa” teria mais facilidade para atravessar os muros do menor estado do mundo. Em entrevista ao jornal alemão Die Tagespost, O ex-superior do grupo, Bernard Fellay, surpreendeu a todos ao divulgar uma suposta conversa na qual Papa Francisco teria dito: “Ajudo os protestantes. Por que não poderia ajudar vocês? A reconciliação chegará”.

Se os papas renascentistas provinham de uma queda de braço entre famílias que visavam o enriquecimento, os de hoje são eleitos para ser uma ponte entre o mundo e a instituição. Ignoram o fato de que o papado não é somente uma pessoa, mas, muitas vezes, o único trunfo da instituição em momentos de crise. Foi assim com Francisco. Ele foi “delegado” naquele dia 13 de março de 2013 para levantar a imagem da Igreja e tapar as lacunas. Através de um dinamismo e de uma vivacidade que somente alguém com sangue latino-americano seria capaz de oferecer, Bergoglio atendeu às expectativas de seus fiéis eleitores e de uma grande parte da igreja que clamava por uma figura carismática. E não só: tocou em situações que, até então, pareciam irremediáveis. É um verdadeiro sucesso em termos de governo.

Nas congregações gerais que antecedem os conclaves, para as quais a mídia não dá nenhuma atenção por desconhecer a importância, já começam a ensaiar qual será pessoa adequada para ocupar a sé de Pedro. Nesses encontros são apresentadas aos cardeais eleitores não somente as questões religiosas, mas as preocupações relacionadas à política internacional, terrorismo, miséria, violência, a situação em cada continente e etc. Em 2013, viram em Francisco alguém capaz de ir às “periferias existenciais”, termo utilizado por ele durante um pequeno discurso proferido em uma dessas reuniões. Hoje entendemos que a cúria romana, tema muito presente naqueles dias, seria uma dessas periferias, bem como a própria Fraternidade Sacerdotal Pio X. Da cúria, Francisco fez um verdadeiro canteiro de obras. Aos protestantes, colocados à margem pelos próprios católicos, Francisco tem promovido a integração e a consciência de que eles também fazem parte do corpo de Cristo. Aos cismáticos, ele faz apenas um pedido: deixem-me ser o pai de vocês.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

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